Sinto que me falta algo. Acordei com o bem-te-vi cantando, ele queria me mostrar o quão és livre. Não sou livre, queria ser. Um pedaço dentro de mim quer gritar! Estou confusa com o vazio, não permaneço mais em mim, sou apenas um fragmento de tudo quem um dia fui. Não sou livre, sempre me impus condições, vivi dentro de meus limites. Na vida pura não existem limites, o que colocamos são reflexos do medo que interiorizamos, para não questionarmos nossas fraquezas e nos limitarmos a elas. Descobri-me e então me perdi; tentei me libertar de mim mesma, queria a qualquer custo me laçar na liberdade, tentativa frustrada. Libertei o intenso e hoje sou uma alma de puro tédio. Não sei quem fui, hoje sou uma imaginação que obtenho. Sinto um pedaço vazio dentro de mim e hoje este pedaço se intensificou, foi um martírio esperar essa sensação ir embora. Ela não vai embora, apenas espera a hora certa de voltar. Vejo-me transformada e mutilada. Preciso pular etapas, preciso camuflar o que ficou para trás para dar conta de mudar o que está por vir. Grande lição! Libertar-me do que estou sentindo, para enfim poder ser livre. Mistura de vida e morte, doce e amargo, medo e coragem. É o mais sensato que sobrou da minha essência, é tudo o que tenho para combater essa caminhada. Este vazio se esvaira e contamina todos que se aproximam, não conheço o seu antídoto, não me interesso em saber. O trabalho, deixo para depois. Preciso, apenas, me libertar! Encontrar o esconderijo do meu verdadeiro ser, para então, meus olhos voltarem a brilhar, minha cabeça não se torturar e o meu coração parar de chorar.
“O grande vazio em mim será o meu lugar de existir; minha pobreza extrema será uma grande vontade. Tenho que me violentar até não ter nada, e precisar de tudo; quando eu precisar, então eu terei, porque sei que é de justiça dar mais a quem pede mais, minha exigência é o meu tamanho, meu vazio é a minha medida.”
Clarice Lispector